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“JORNADAS DE JUNHO” de 2013 há 10 anos do que vimos e vivemos

Por: Manuel Iraola DN de Revolução Socialista

Quase ninguém queria se lembrar de junho de 2013, mas de repente, detratores, arrependidos e fieis defensores começaram a encher páginas de jornais, sites e debates. Mas isso é bom, significa que as manifestações de 2013 foram muito mais relevantes do que muitos falaram, significa também um reconhecimento a quem as viveu e as reivindica como um grande movimento, até hoje.


Um fenômeno mundial

A crise econômica mundial surgida em 2008 se espalhou por todos os continentes, em países ricos e pobres. A aceleração da crise social provocou grandes mobilizações no planeta, que por sua vez, acirraram crises políticas em todo tipo de governo. O pico desse assenso de massas foi conhecido como a “Primavera Árabe”, porque surgiu no Norte da África e no Oriente Médio, em 2010. Foram 3 anos de revoluções, levantes, guerras e manifestações contra governos autoritários, truculência policial e desemprego. Os protestos iniciaram na Tunísia e, com o auxílio das redes sociais, rapidamente tomaram conta das ruas do Egito, Líbia, Síria, Iêmen, Barein, Marrocos. O estopim foi quando um vendedor ambulante de frutas, cansado de pagar propinas e ser reprimido, ateou fogo ao próprio corpo. Surgia uma nova vanguarda das lutas no mundo.


Em 2012, uma greve geral na Europa paralisou Espanha, Portugal, Grécia, Itália, Bélgica e França, contra as medidas de austeridade impostas pela União Europeia e o FMI.


Em maio de 2013, começaram os protestos na Turquia contra a demolição do Parque Taksim, em Istambul, a revolta contra a repressão da polícia desencadeou manifestações antigovernamentais com mais de 2 milhões de pessoas. A pacífica manifestação ambientalista mudou a palavra de ordem para: “Acabou o amor!”.


Junho de 2013

Quando falamos de JUNHO estamos falando de uma convulsão social e não apenas de uma série de manifestações. A relativa bonança da época dos royalties do petróleo e do alto preço das commodities (matérias primas e outros produtos exportáveis) que havia no governo Lula, foi se desidratando. Essa bomba estourou no segundo governo de Dilma, que já desgastada, aplicou ajustes cada vez mais violentos à classe trabalhadora e aumentou a repressão das lutas e greves.

Com a crise apertando os cintos, o governo aumentou as tarifas de ônibus (trem e metrô, nas capitais). Foi de R$3,00 para R$3,20 em São Paulo. As manifestações contra aumento das passagens vinham acontecendo em anos anteriores, mas em 2013 o clima social esquentava semana a semana. Houve manifestações no sul do país, embora pouco divulgadas. Em São Paulo eram lideradas pelo Movimento Passe Livre (MPL) que além de jovens, contava com a participação e apoio de vários sindicatos e movimentos. Na primeira semana participaram 2 mil pessoas, na segunda 5 mil, e assim por diante, mas o estopim foi o dia em que a repressão foi brutal e repercutiu no país inteiro. Em 20 de junho veio o estouro: “O gigante acordou”. Um milhão de pessoas ocuparam a cidade de São Paulo, outro tanto no Rio de Janeiro, a rampa do Congresso foi tomada em Brasília e a seguir aconteceram protestos em 388 cidades, com percentuais altíssimos de participação popular.


O protesto que atraiu multidões provocou perplexidade na burguesia e no regime capitalista. O governo federal ficou paralisado por 2 ou 3 dias, parecia que tinha caído. A cena mais icônica foi a do Alckmin e Haddad, juntos na TV, aceitando a derrota, informando à população que o aumento das passagens tinha sido cancelado. Lembremos que nesse momento Alckmin era govenador do Estado de SP pelo PSDB e Haddad era prefeito, pelo PT, da maior capital do país. A repressão recuou durante um bom tempo porque a relação de forças não permitia atacar os manifestantes que ocuparam o país e geraram um estado de convulsão geral, atingindo também todo o interior do país.


Assim como na Primavera Árabe, a protagonista desse movimento foi uma nova vanguarda, a juventude em primeiro lugar, mas não apenas aquela conhecida juventude universitária e secundarista, tratava-se essencialmente de uma juventude da classe trabalhadora, a maioria das vezes precarizada, terceirizada, sem expectativas de futuro, assim como desempregados, setores populares, trabalhadores das mais diversas categorias, mas em geral não organizados por seus sindicatos.


Não foi uma greve geral porque as manifestações começaram no horário de saída do trabalho, mas pararam o país e algumas cidades em várias oportunidades. Não foi uma revolução no sentido estrito da palavra porque não derrubou o governo nem instalou outro diferente, mas conquistou o que se propunha, a redução das tarifas do transporte. E foi além disso, colocou o governo Dilma contra a parede, atordoado, assim como ao conjunto da burguesia que tentava evitar que a classe trabalhadora, a juventude e setores populares se empoderassem ainda mais. Em síntese podemos dizer que foi uma rebelião de massas, nacional, com dinâmica anticapitalista, com um caráter de classe muito ligado a classe trabalhadora, embora participaram muitas pessoas e grupos da classe média tradicional. Foi um movimento relativamente espontâneo que não contou com uma direção nacional, que estava por fora do controle dos velhos partidos do regime e das velhas direções sindicais e populares. O movimento era heterogêneo, mas tinha um alto grau de rejeição aos partidos políticos, fato inicialmente progressivo na medida que rejeitava as velhas direções.

As manifestações de 2013, ultrapassaram as bandeiras contra o aumento das passagens, isso foi expresso conscientemente pelas massas na consigna de: NÃO É SÓ POR 20 CENTAVOS. E era verdade, foram incorporadas todo tido de pautas, tantas como o número de cartazes feitos a mão e caneta: Educação padrão FIFA, vamos Resetar o Brasil, Tá na hora de acordar: professor vale mais do que Neymar, assim como as pautas feministas, antirracistas, contra a repressão, contra a corrupção, por saúde, trabalho, organizadas em uma espécie de colcha de retalhos que só era vista de conjunto nas fotos das manifestações.


A nova direção que surgiu desse movimento, com peso e respeito suficiente para negociar com prefeitos e governadores foi o MPL (Movimento Passe Livre) movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente, que lutava por um transporte público, gratuito para todos e fora da iniciativa privada. Seus objetivos eram explícitos, porém muito limitados. Após o triunfo de Junho seus dirigentes foram entrevistados e declararam que sua tarefa como direção tinha terminado ali, que eles não podiam responder por outras pautas. Assim, infelizmente foram incapazes de se postular como direção das lutas gerais e foram sumindo da cena. A vanguarda jovem e trabalhadora ficou mais desorientada ainda, continuou lutando, mas sem direção política nem organizativa, o que obviamente provoca confusão ideológica e desalento em muitos setores. A Pauta de Reivindicações de Junho não foi assumida por nenhuma direção sindical ou política de massas, seja por incompreensão da realidade, seja por traição e acomodação com os governos de plantão.


2014 - Junho não acabou

As lutas de 2014 mostraram a continuidade da rebelião popular de 2013. Uma segunda onda misturou manifestações setoriais ao movimento “Não vai ter Copa!” contra os abusivos gastos Mundial de Futebol em detrimento dos gastos sociais, fatos que faziam com que as críticas populares se dirigissem cada vez mais contra o governo federal. Nesse período prevaleceram fortes greves por aumento de salários e condições de trabalho no país inteiro. A cidade de São Paulo entrou em ebulição entre abril e junho desse ano. Grandes manifestações dos sem teto no centro de SP e nas periferias. Greve dos motoristas de ônibus e de ferroviários. A gigantesca greve de 5 dias dos Metroviários de SP, que terminou com forte repressão e demissões. E a manifestação de 12/06, na hora do início da Copa do Mundo quando os manifestantes foram cercados pela tropa de choque dentro do Sindicato dos Metroviários e das ruas do bairro para não aparecer na transmissão ao vivo para o mundo inteiro. A massividade e a radicalidade das lutas tingiram esse período. Nesse processo tiveram mais peso os sindicatos e movimentos sociais organizados, embora o componente espontâneo continuou presente.


Em outubro, Dilma Rousseff/PT conseguia a reeleição por ínfima diferença de votos com Aécio Neves/PSDB, obtendo assim o 4º mandato do PT. A situação econômica se deteriorava a passos largos e as poucas promessas eleitorais não foram cumpridas. Os protestos, mais diretos e conscientes contra o governo foram avançando, inclusive com bandeiras de Fora Dilma e vaias em atos e eventos. O ajuste contra a classe trabalhadora e o povo aumentaram no mesmo ritmo que a repressão às lutas, inclusive o exército chegou a ser utilizado em momentos críticos. O movimento Fora Dilma, da esquerda radical e dos sindicatos mais combativos teve peso até final de 2015.


O drama da Direção do movimento

A falta de uma direção sindical e política que unificasse e centralizasse as lutas, fez outra vez perder a oportunidade da classe trabalhadora tomar em suas mãos o rumo do país e da economia. Nenhuma central sindical e nenhum partido de esquerda com peso de massas se propôs a unificar a luta para que a bandeiras de Junho de 2013, um verdadeiro programa de reivindicações construído de baixo para cima, seja levado a cabo. Nenhum deles propôs uma greve geral até derrubar os planos de ajuste do governo federal e a crescente corrupção, nenhum deles propôs a derrubada de Dilma para que assuma um governo verdadeiramente dos trabalhadores e trabalhadoras e não uma farsa de esquerda como o PT.


A CUT, a CTB e os partidos ditos de esquerda como o PT, o PCdoB e outros preferiram ser base do governo que apostar na classe trabalhadora. Essa política, ou falta de política, levou a certa retração das lutas. São direções que infelizmente já traíram em governos anteriores e repetiram a dose até no governo Bolsonaro.



A direção majoritária do PSOL também merece um destaque, porque podia e devia ter feito muito mais. Apesar de que algumas correntes, como a nossa, e outras, participamos ativamente das manifestações e greves, o PSOL como partido, só se pronunciou até 30 dias depois dos acontecimentos de 2013 e nunca o reivindicou como movimento progressivo ou revolucionário, pelo contrário falava que era reacionário porque não levantava as bandeiras partidárias. Em 2014 o PSOL começou a andar a reboque do PT e assim ficou preso a direções derrotistas e desmobilizadoras como a Frente Povo Sem Medo e fez coro com quem defendia Dilma em 2016. O PSOL priorizou as eleições e as atividades parlamentares em detrimento de se postular como uma direção alternativa para a luta direta, política, sindical, popular, juvenil, dos milhões de descontentes, fato que se aprofunda hoje sendo base do governo Lula/Alckmin.


O PSTU também sofreu críticas e desgaste, eles iam as manifestações sim, mas provavelmente não conseguiram ver e incorporar o fenómeno de 2013, talvez por isso seu centro fosse defender as bandeiras vermelhas nos atos, contra os ativistas que não queriam partidos políticos, preferiam ficar junto ao PT e ao PCdoB para defender formalmente as bandeiras esquecendo o lícito sentimento das massas traídas por quase todos os partidos políticos. A autoproclamação, atitudes sectárias por vezes, vacilantes em outras, o levou a uma ruptura muito séria que o debilitou notoriamente e já não apenas no âmbito eleitoral.


O Impeachment

Na ausência de uma Direção coerente e consequente da esquerda, a direita começou a se oportunizar. No final de 2015 a FIESP lança a campanha do pato amarelo, “Não vamos pagar o pato”, contra o aumento dos impostos. Também confluíram outros setores da burguesia, opositoras ao PT nesse momento, iniciaram o movimento verde/amarelo, juntando classes médias descontentes, setores reacionários e da ultradireita. Alguns grupos foram cooptados pela direita ou já tinham laços com ela, particularmente o MBL e o Vem pra Rua que depois viraram base de apoio do bolsonarismo, assim como pseudointelectuais “liberais”. Com os anos a bandeira contra a corrupção saiu das mãos da ultraesquerda e foi para a ultradireita.


Dilma não servia mais à burguesia que a elegeu, fundamentalmente porque não conseguia controlar as greves. Dilma perdeu o controle das ruas. Assim conseguiram impor o impeachment e a posse do Temer. Qualquer manobra política, parlamentar ou judicial feita por esses setores da burguesia que não apoiavam o PT, não esconde que as massas não defenderam Dilma da cassação e nem sequer tentaram salvar o Lula da prisão, porque já não era mais aquele PT das lutas e sim o PT do agronegócio, dos bancos e das empreiteiras. Temer não caiu do céu, era vice de Dilma. Bolsonaro também não caiu do céu nem do inferno, é um subproduto do desencanto das massas trabalhadoras com o PT.


2017/2018 – A luta contra Temer

Mesmo nessa situação um tanto confusa e contraditória, setores de massas pressionaram as direções dos sindicatos e das centrais para reagir frente à brutalidade das Contrarreformas, até que estourou a greve geral de 2017, a primeira depois de 30 anos. A greve foi uma vitória política pela capacidade de mobilização e pela combatividade, mas não conseguiu frear a Reforma da Previdência nem a Reforma Trabalhista. O mesmo podemos falar do Ocupe Brasília, em 2018, caravana que enfrentou o poder e as forças de repressão durante 5 horas. Em relação à direção, à diferença de momentos anteriores, setores de esquerda e sindicatos combativos cumpriram um papel muito maior nesses dois eventos históricos da classe trabalhadora brasileira.


As polémicas

Descrever alguns fatos, caracterizar o momento e tomar posição são necessários, mas as polémicas se aprofundam com os anos.


Por um lado, temos o PT, o PCdoB e suas centrais sindicais associadas, a CUT e a CTB, que se posicionaram durante todos aqueles anos de luta, do lado do governo Lula e Dilma, sem críticas nem exigências, e quando veio o impeachment jogaram a culpa na direita que teria dado um golpe e que supostamente isso teria impedido as massas de defender o governo. Toda uma armação muito conveniente para quem não quer fazer o balanço dos 14 anos de governo petista sem mudanças de fundo em favor do povo pobre. E as centrais sindicais nem se deram o trabalho de explicar o porquê não deram continuidade a greve geral para derrubar Temer.


Por outro lado, a direção majoritária do PSOL e outros movimentos não denunciaram essas direções, seja pelas traições, seja pela falta de ação, simplesmente culparam à base, a classe trabalhadora, ao povo pobre, por não ter atuado. Para isso, formularam a teoria da Onda Conservadora, que tenta nos convencer de que o povo foi ganho ideologicamente pela direita por espontânea vontade. Como esses setores sempre acham que a direita é todo-poderosa e imbatível, não enfrentam à ultradireita no dia a dia, apenas nos processos eleitorais. Começaram falando em Unidade de Ação, depois avançaram para a Frente Única e cada dia se diferenciam menos das direções petistas. É com essa análise, caraterização e política que terminam apoiando governos da Frente Ampla e até fazendo parte deles. Podemos sintetizar assim: com o argumento de que não há relação de forças para lutar ficam em casa quando tem greves ou tentam desmobilizar aqueles que tentam ir à luta. Na política preferem não ser oposição de esquerda, não falar a verdade, para “evitar que a ultradireita cresça”. A famosa política do avestruz...


As correntes mais céticas e confusos chegam a falar que o impeachment de Dilma, o Bolsonaro e o fortalecimento da extrema-direita surgiram de junho 2013. Isso já nos parece uma distorção da realidade de intelectuais muito afastados do povo e que não confiam na classe trabalhadora.


Ninguém nega os perigos da ultradireita, um mal mundial que deve ser combatido. Mas eles se esquecem do poder nocivo e corrosivo da centro-esquerda na cabeça da classe operária e da própria esquerda. Afinal, é a política do PT e seus aliados a que influenciou tanto na direção do PSOL ao ponto de virar puxadinho do PT e da Frente Amplíssima. Indiretamente foi o PT, em torno do debate do impeachment da Dilma, quem dividiu o PSTU em duas metades.


Nossas conclusões

Em primeiro lugar, a luta direta da classe trabalhadora e dos setores populares é essencial, só por isso as Jornadas de Junho de 2013 já seriam muito importantes, porque demonstraram o poder da nossa classe em movimento.


Em segundo lugar que a “Agenda de Junho”, aquelas necessidades que as massas levantaram nos cartazes não foram atendidas por governo nenhum, nem por Dilma, nem por Bolsonaro nem por Lula/Alckmin, motivo pelo qual novos Junhos virão.


E em terceiro lugar, e não menos importante, que dada a falência da velha direção da classe trabalhadora e do fracasso dos que se postularam nesta última década, precisamos de uma nova direção de massas, uma direção revolucionária, classista, anticapitalista, internacionalista, profundamente democrática, que se proponha organizar e centralizar a luta direta da classe trabalhadora, da juventude e do povo pobre contra a exploração e opressão capitalista-imperialista.


Usemos o aprendizado desses 10 anos de lutas, avanços e retrocessos, para dar esse novo salto, unindo os setores combativos e revolucionários nessa difícil, mas não impossível tarefa.


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